ARTIGOS

20/07/2003

SOFRER NO PARAÍSO

Nós brasileiros, temos a mania de nos queixarmos sempre. Há algumas boas razões. Agora mesmo, a gente olha para o mundo e se assusta com a falta da nossa paz. Sim, aqui dentro também há perigo. A insegurança pública está insuportável. Mas ninguém nos odeia, pelo mundo afora. Viajo bastante, e só recebo simpatia quando me identifico com o gentílico mágico “brasileiro”. Nas últimas férias, nos confins da Tunísia e do Marrocos, é aparecer com a camisa verde – e – amarela da Seleção, e as pessoas não param de saudar. Assim é no Egito, em Israel, no País Basco, lugares que seriam perigosos para muita gente. No Líbano, um bando de garotos de aproximou, para dar os sobrenomes de seus parentes no Brasil. Um deles estufou o peito: “Meu parente é o policial mais famoso do Brasil.” Quando perguntei, ele estufou mais ainda para pronunciar “Tuma”. Na África do sul, o motorista de nosso carro sem bateria, esperando socorro na periferia de Johanesburgo, confidenciou à minha filha: “ Vou cuidar de vocês por que vocês são brasileiros, não são racistas”. É bom ser brasileiro, só falta nos valorizarmos.

Flávio Gikowate, certa vez, me falou da síndrome do piloto brasileiro de fórmula 1: Ele vai acelerando e quando percebe, no retrovisor, que está à frente de todos, leva um susto: “Eu estou liderando! Mas sou brasileiro...” – E dá um jeito de quebrar o carro, por que acha que não merece.

Faz 60 anos que Stephan Zweig escreveu “Brasil, o País do Futuro” e só agora o futuro parece ao alcance de nossas mãos. Depois que a inflação acabou, pudemos pensar em ética e identificar corrupção, jeitinho, malandragem, literatice, corporativismo, impunidade, clientelismo, paternalismo, e passamos a nos envergonhar dessas mazelas. Em poucos anos, viramos consumidores militantes e eleitores conscientes. Pena que ainda sejamos contribuintes passivos, mas ainda vamos nos promover a “tax payers”. País jovem, mudamos rápido. A globalização já não nos pegou calças curtas.

Agora compare o Brasil de hoje com o de 10 anos atrás, quando só nos preocupávamos com a inflação, que chegou a 84% ao mês. Subimos nosso nível de exigência. Já estamos exigindo que cada um cumpra seus deveres de cidadania no respeito às cidades, às leis, ao próximo. Esse espírito é um antídoto para a epidemia da bandidagem.

Passou o tempo em que nos orgulhávamos de ser terceiro mundo. Agora aspiramos a padrões de primeiro mundo. Lembro que no dia seguinte à última eleição presidencial, o grito de um brasileiro desdentado e mal vestido foi captado pela câmera do telejornal: “O Brasil é nosso!” É mais uma evolução. Antes, o Brasil era deles. Se cada um tomar posse do Brasil, vai cuidar do país como seu. Vai pensar antes de jogar papel no chão e sujar o seu país. E aí vamos nos civilizando e nos organizando, cumprindo horários, leis e compromissos. E a vida, neste país tropical, pode ficar mais fácil. Isso sem abdicarmos de nosso espírito tropical, miscigenado, fraterno, tolerante. E aí estaremos chegando à civilização ideal. Por enquanto, ser brasileiro é sofrer num paraíso. 

Márcio Garcia