Geralmente, aos vícios é atribuída uma série de problemas. Vício tem conotação negativa, são associados a prejuízos de alguma natureza: financeiro, da saúde, moral. Os vícios corrompem, os viciados são fracos.
Dependentes do prazer proporcionado pelo vício, destroem sua vida e seus vínculos. O vício é o centro da vida do viciado * tudo gira em torno de sua satisfação. Será que com a corrida é a mesma coisa?
Quando a corrida ganha centralidade na vida de uma pessoa, os outros componentes passam a girar em torno dela. O viciado, pra viabilizar a manutenção de seu vício, adota um estilo de vida: procura dormir bem, alimentar-se de modo saudável e manter uma rotina de treinos. O corridaddicted quando bebe, quase nunca passa da conta e, fumar, é praticamente impossível.
Os drogados, alcoólatras e os jogadores compulsivos afastam-se da família e dos amigos. Têm vergonha de sua condição: não querem que ninguém testemunhe sua decadência. Pais não querem envergonhar seus filhos, não podem servir de modelo e não querem exercer uma má influência.
Os corredores, pelo contrário, são exemplos para os cônjuges e filhos. Têm orgulho de sua disposição física, incentivam seus filhos e parceiros a assisti-los (nas competições) e a participar. Claro, podem ser um pouco chatos, tentando convencer os amigos a mudar de hábito... (mas ser chato, não é prerrogativa de corredor).
O vício é solitário. A corrida também mas, embora seja um esporte individual, cada vez mais, tem se tornado um meio de conhecer pessoas e conviver. Quem corre, pode até correr sozinho, mas sempre vai encontrar outro corredor no seu caminho e trocar olhares cúmplices. Se ambos estiverem vestindo uma camisa de alguma prova, então... O sorriso é inevitável e ambos se cumprimentam silenciosamente, como a dizer “eu também estive lá, sei como foi!”
Os viciados por não terem a condução de seu próprio destino, passam por cima dos sentimentos de quem está próximo. Tornam-se individualistas, egoístas.
Já os viciados em corrida, mesmo quando entram numa competição, competem consigo mesmos e muitas vezes, podem até “levar” um corredor que esteja desanimando, a voltar a correr, pois a chegada é logo ali. E é sempre um evento especial, um encontro de pessoas que vivem e sentem a corrida de modo semelhante * uma confraria.
Os viciados tentam lutar contra o seu vício e, para vencê-lo, precisam de determinação, disciplina, força de caráter, persistência. O corredor, para manter o seu vício é que precisa disso tudo!
Sim, a tal da beta-endorfina parece não ser pouca coisa. Dá prazer, uma sensação de dever cumprido e satisfação. Melhora o humor e a disposição para enfrentar as tarefas do dia é muito maior. Dorme-se melhor. Mas, diferente das drogas que são ingeridas * e viciam * esta é produzida pelo próprio corpo, circula no sangue sem causar mal algum ao organismo.
Talvez a semelhança entre os viciados em geral e o viciado em corrida apareça no momento em que este segundo precisa, por alguma razão, se abster de correr por algum tempo. Para o viciado em corrida, ter de parar é quase tão difícil quanto para os outros. Pois, além de ficar sem o prazer físico propiciado pela beta-endorfina e pela sensação de bem-estar é tirar também um dos eixos organizadores de sua vida. E aí está seu maior desafio: como, apesar de não poder correr, manter-se saudável, equilibrado e em atividade?
Claudia Rosenberg Aratangy