Após 45 anos de vida e para alguém que sempre que correu, o fez atrás de uma bola, ou de um ônibus nos tempos de estudante, me encontro neste momento num avião, indo para New Yok, juntamente com outros 248 malucos para cometer a loucura de minha vida “CORRER A MARATONA DE NEW YORK”.
Chegar a New York já é de certa forma uma Maratona, além das filas para passaporte, visto de entrada em USA, dos tramites alfandegários, a entrevista de migrações, transporte para o hotel, e “otras cositas más”... são 12 horas de viajem apertados, mal acomodados, mal comidos, mal dormidos, que se fazem um pouco mais leves ouvindo as interessantes histórias de alguns destes 248 malucos. Alguém que já correu 15 maratonas me conta da emoção e experiência da primeira; Fico conhecendo uma senhora que lhe mentiu ao marido, dizendo-lhe que tinha ganho a inscrição da maratona, a passagem, e a estadia num concurso, quando na realidade o prêmio tinha lhe custado US$3,000. Há também um senhor com mais de 66 anos que pretende correr a Maratona no tempo de 2 horas e meia, ou seja, pretende “viajar” os 42Km a uma velocidade de aproximadamente 17Km por hora. Percebo também que tudo isso serve para alimentar minhas expectativas e aumentar meus temores. Será que vou conseguir concluir esta loucura?
Os dias que antecedem, ajudam a aumentar mais meus medos e minha ansiedade. Perambulo por NY sem prestar demasiada atenção ao que a primeira cidade do mundo teima em mostra – me; Marcas famosas, máquinas sofisticadas, comidas exóticas, shows, teatros, restaurantes, carros maravilhosos, mas meu pensamento é um só: Domingo 2 de Novembro, 10:40hs “Hora da Largada”.
E chega o grande dia. Acordo bem cedo, preparo minha roupa de corrida, prendo o número na camiseta, organizo o agasalho e a roupa de chuva pois a previsão do tempo indica que poderá chover. Na rua vejo muitos outros loucos com eu, todos dirigindo para onde estão estacionados os ônibus, que nos levarão para o ponto de largada. A fila é interminável, somos ao todo 30.500 loucos que em fileira, gritando, cantando, festejando, ainda que ordenadamente vamos entrando nos ônibus, que a medida que se vão completando, vão partindo, como numa linha de montagem de uma fábrica.
Chegamos na concentração, é inacreditável ver tanta gente, de todas as raças e de todos os lugares do mundo, asiáticos, europeus, latinos, judeus, árabes, americanos, todos juntos, confraternizando e animando – se um aos outros, como se fossem velhos amigos. Recebo apoio e votos de sorte de gente que nunca vi e nunca mais vou ver. Penso comigo: “Que lindo tudo isso! Se tudo fosse assim, que diferente seria nosso conturbado mundo”.
De maneira sempre organizada, nos servem café, bolacha, pão, água, iogurte, sucos, enfim, tudo o que precisaremos para enfrentar o grande desafio. Pouco a pouco, vamos encaminhando – nos para a linha de largada. Conforme o tempo que cada um prevê que vai levar para concluir a prova, vamos nos colocando nos lugares determinados. Avisam que faltam 2 minutos, meu coração bate mais forte, meu relógio de freqüência cardíaca marca 110 batimentos, procuro diminuir minha emoção e minha tensão, olho para frente e vejo milhares de cabecinhas, olho para trás também, e assim é para todos os lados. Imagino que é como se todas as pessoas da minha pequena cidade (Saladillo, interior de Buenos Aires) saíssem a correr pelas ruas todas ao mesmo tempo.
Ouço o barulho e a explosão da Largada...
La vamos nós... os primeiros 400 metros os faço caminhando, pois há tanta gente que não dá para correr. Os primeiros 3Km, são acima de uma ponte (Verrazamo) que parece interminável. Embora com o vento muito forte, o clima está bastante agradável para correr, embora a ameaça de chuva ainda permaneça. Quando termino de passar pela ponte, começam as “surpresas”, que fazem com que a Maratona de NY seja a mais linda e a mais famosa de todas as Maratonas.
As pessoas, o povo, que está acompanhando a corrida, nas calçadas, nas janelas, nos balcões, nas sacadas, subido nas árvores, dentro de suas casas, gritando, incentivando, agitando bandeiras, cartazes com inscrições de apoio, de incentivo, dando gritos, cantando, oferecendo frutas, águas, sucos, balas...
A medida que sigo meu trote lento, mas seguro, vejo bandas de músicas, coros de igrejas, famílias, gente, e mais gente. Todos gritam: GO...GO...GO...e assim será pelos 42 Km, parecendo o barulho, o agito maior a cada km. Percebo que o incentivo, é feito com respeito, com uma certa admiração, talvez pelo esforço que estamos fazendo. Confesso que me sinto um pouco “estrela”, um pouco ídolo, talvez um pouco menos louco...
Quando começa a chover, estou no Km 18, primeiro é uma chuva fina que refresca, depois se torna mais forte e começa a incomodar. A água começa a correr pelas ruas, os tênis se encharcam, a camiseta e o calção estão empapados, pelo meu boné escorre água, meu rosto está todo molhado pelo suor e pela chuva, mas continuo firme e determinado chapaleando água para todos os lados.
Passo pelo Km 28, meus pensamentos estão fixos nos 30, não resisto a comer algumas frutas e bolachas que me oferecem, verifico o tempo (embora este, nunca foi minha preocupação) estou um pouco acima do previsto, me justifico rapidamente pela chuva e continuo em frente. A chuva não diminui, na frente já vejo a placa dos 30Km. Começo a sentir o esforço realizado, as médias e os pés estão encharcados, os tênis me pesam 5Kg, tenho fome, estou cansado, começo a perguntar – me: “O que estou fazendo aqui?” Miro para os lados e vejo gente e mais gente, multidão sob a chuva, embaixo de guarda – chuvas, com capas, com os pés molhados, enlameados, com frio, gritando por mim, incentivando – me. Mais na frente vejo um corredor que se encontra com sua esposa, com seus filhos, amigos que o estavam esperando, para vê – lo passar, o abraçam, o beijam, o cumprimentam como um ídolo, vejo nos olhos do corredor que se sente um herói, um Deus... me emociono!!! “Agora já sei porque estou aqui!!!”.
Com o animo renovado, continuo em frente...
Já estou no Km 35, somente me faltam mais 7Km, começo a imaginar – me cruzando a linha de chegada, me lembro dos duros dias de treinos, dos “longos” na USP, do tempo que deixei de dedicar a meus filhos, a minha mulher, me lembro de meus pais, de meus amigos e confesso que alguma lágrimas se misturaram com o suor e com a chuva, mas também vejo que meu relógio de freqüência cardíaca se disparou, me digo: “Calma Pablo, é melhor segurar as emoções e guardar as forças para o que ainda falta.”
Entro no Central Park (novamente a emoção), relembro quantas e quantas vezes nos meus treinos solitários me imaginei entrando no famoso Central Park. Alguma força extra aparece e me dá vigor e determinação para apressar o passo e aumentar o ritmo. Km 4, faltam somente 2Km, vejo muitos corredores que já não conseguem correr e começam a caminhar, a tentação por fazer a mesma coisa é grande e além do mais, estou bastante cansado, mas falta tão pouquinho... e ... continuo correndo.
Km 41, as pessoas nas ruas continuam torcendo e nos incentivando, parecia que a gritaria era cada vez maior, como se todos me conhecessem. Saímos do Central Park e corremos por uma avenida, para em seguida entrar novamente no Central Park e ai sim terminar a Maratona.
Já vejo a linha de chegada, estou muito perto, passo pela placa de 42Km, faltam somente 195m, 2 quadrinhas, um tirito... e por algum capricho na natureza, vejo que pára de chover, o céu se abre e por entre as nuvens, aparece o sol, lindo, brilhante, majestoso, imponente... e assim cruzo a linha de chegada com o sol iluminando meu rosto cansado, satisfeito e feliz com um sorriso ampliado que reflete toda minha alegria, toda a felicidade desse momento, com o alivio e a satisfação de Ter conseguido. Meus pés e meu corpo todo, agradecem. Volto a pensar em meus filhos, na minha mulher, nos meus pais, nos meus amigos... agora sem preocupar – me com o tamanho da emoção.
Pablo Lopez correu sua primeira “e única” Maratona de New York sob a orientação da Trilopez, em 1997